"TÓQUIO - Satisfeitas com o faturamento no bilionário mercado interno, as celebridades do pop japonês (J-Pop) nunca precisaram se preocupar com a glória além das fronteiras nacionais. Até que uma mocinha com um visual de desenho animado psicodélico resolveu tentar a conquista do planeta. Além de recordista de vendas em seu país, Kyary Pamyu Pamyu é hoje o mais famoso rosto internacional produzido pelo J-pop. Sua segunda turnê mundial, iniciada em fevereiro, atravessará EUA, Europa e Ásia, rompendo a barreira da língua: suas canções não fazem muito sentido nem sequer em japonês, mas o público parece não se importar. Com dois anos de carreira, ela vem sendo apontada como a voz de uma geração que prefere a doce fantasia de mangás, animês e cosplay à sensualidade bombada de astros do showbiz americano.
No universo encantado de Kyary, coelho toca guitarra, urso-polar dança, vampiro é fashion, cebola fala e a vida tem tons pastel. Seus clipes, virais, como “PonPonPon” (mais de 60 milhões de acessos no YouTube, assista acima), já inspiraram flashmobs até em Paris. Em sua primeira passagem por Nova York, em 2013, os ingressos se esgotaram (ela volta neste sábado). Em Los Angeles, encontrou milhares de fãs vestidos como ela, ou seja, como se fossem personagens de um delírio de Tim Burton. Na capa da revista britânica “Dazed & Confused”, a princesinha do pop japonês foi definida como “a estrela do amanhã”. Para a imprensa internacional, Kyary é “a Lady Gaga do Japão”.
— As palavras são menos importantes do que o som e o movimento do corpo, que pode ser imitado e se espalhar de forma viral. É esse o segredo do sucesso de artistas como Psy (cantor sul-coreano que estourou com o hit “Gangnam Style”) e Kyary. As pessoas são atraídas pela imagem, mas acabam ficando pela música, que é ótima — diz Patrick Galbraith, pesquisador da Universidade de Tóquio e especialista em cultura pop japonesa.
Os críticos elogiaram os dois álbuns de Kyary, “Pamyu Pamyu Revolution” e “Nanda collection”, lançados pela Warner do Japão. Os dois lideram a lista dos mais vendidos do Oricon, a versão nipônica do ranking da “Billboard”. A mistura de ritmos, do tecno ao jazz, e a vozinha infantil da cantora são empacotadas por clipes adequadamente descritos pelo site de música Pitchfork como “um hiperestímulo visual capaz de provocar um ataque de pânico nos mais sensíveis”.
— Ela é, sem dúvidas, a maior chance que o J-pop tem de atingir o mercado internacional — afirma o crítico de música Patrick St. Michel, do jornal “The Japan Times”.
Aos 20 anos, Kyary (o sobrenome artístico foi escolhido pela sonoridade) é a personificação do kawaii — mais uma mania nascida no Japão que se globaliza. É uma estética que transita entre o inocente e o grotesco, influenciando a moda, o design e a arte. O próprio governo japonês abraçou o conceito como produto de exportação, nomeando Kyary sua embaixadora. Dona de um lindo rosto de boneca, ela se fantasia como tal. Mas seu circo tem um quê de subversão, satirizando a fofura. Olhos catapultados das órbitas, esqueletos e bichos de pelúcia aterrorizantes compõem seus cenários. “Desculpa se não posso ser obediente e não tenho como atingir suas expectativas”, ela canta no single “Otona na kodomo” (“Criança adulta”).
Quando subiu aos palcos, Kyary já era uma celebridade. A moça é um produto das ruas de Harajuku, o bairro mais criativo de Tóquio, onde guarda-roupa montado é religião. Ela circulava pelo território fashion chamando a atenção dos fotógrafos por embaralhar peças, penteados e maquiagem de maneira performática. A mãe da menina achava seu closet medonho e jogava as roupas no lixo. Mas ela virou modelo e empresária bem-sucedida (criou uma marca de cílios postiços, item básico na cesta das garotas de Harajuku), ajudando a espalhar o estilo kawaii. Faltava apenas uma música para embalar o culto.
— Ao contrário de outros movimentos, como o gótico e o punk, o kawaii não tinha uma trilha sonora que correspondesse à sua imagem. Kyary sintetizou o espírito de Harajuku — explica a escritora Manami Okazaki, autora do livro “Kawaii, the culture of cute” (“Kawaii, a cultura do bonitinho”).
A superexposição, no entanto, pode ser um problema para essa Alice no País das Maravilhas moderna.
— Ela está recebendo muito incentivo oficial e isso pode parecer uma jogada ensaiada demais. É o perigo desse modelo de sucesso: é rápido e difícil de duplicar — aponta Galbraith.
CR: Crooked TV
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